30.11.15

Asséptico

Mantinham-se
acondicionados

seguros
- estáveis

em ambiente estéril

onde nenhuma novidade
ou conceito

ideia ou teoria

seria capaz de reproduzir-se


Reflexos

Intolerância
é autoflagelo

repreensão da culpa
- em corpos alheios

apedrejamento
de espelhos


é a cobra
- ensandecida

que devora
o próprio rabo

29.11.15

Etimologia I

"Diga-se de paisagem": expressão utilizada para referir-se ao momento em que você faz um comentário breve, superficial e ambíguo o suficiente para que seu interlocutor julgue que você concorda com ele; porque a cara de paisagem não foi o bastante para encerrar o assunto.

24.11.15

Contraposto

O cão de guarda ladra
rosna
- ameaça

e não permite
que ninguém invada

sua minúscula jaula


22.11.15

Vertigem

Não havia pedra
no caminho

não havia pedra

mas o único caminho
livre

é a queda

21.11.15

Fatídico

Não importa quão alto
é o voo do pássaro

ou quão longínquas
são as terras avistadas


um dia ele haverá
de reunir-se a sua sombra
- pousar em definitivo

e aquelas asas
aqueles olhos
- e tudo aquilo que viram

serão devorados por formigas

9.11.15

Impregnada

O tronco centenário
- imperturbável

de uma árvore
que, por dentro

está se abrindo
em poros

oca


E cede lugar
- aos poucos

a novos ecossistemas


6.11.15

Propagação

No rádio, as ondas curtas, de alta frequência, são as que alcançam maiores distâncias de propagação.

Na estrutura social também parece funcionar mais ou menos do mesmo jeito: o raciocínio curto, que tem altíssima frequência, propaga-se vertiginosamente

5.11.15

Acolhimento

Quando o mundo está de pernas para o ar, precisamos estar de braços abertos.

4.11.15

Armistício

Após ter, enfim

assinado
o tratado

de paz
- interior


ficou vetado
- ainda que tentado

de cruzar as fronteiras
estabelecidas

- conforme o acordo

na área limite

entre os caminhos
percorridos

e as águas
passadas

3.11.15

Molde

Já conheço
todos os rostos

não um a um

em detalhes
específicos

mas o mosaico
de moldes

as fórmulas
- matrizes

o barro essencial

a origem

e o sopro

2.11.15

Debandada

Ideias são bichos soltos
- ariscas

que se debandam
apressadas


num farfalhar
de páginas

- em branco

27.10.15

IX CLIPP - Concurso Literário de Presidente Prudente

O poema Passado foi um dos selecionados para compor a coletânea do IX CLIPP - Concurso Literário de Presidente Prudente.



Passado

Na caixa de sapatos
no fundo da gaveta

cartas e bilhetes
uma foto três por quatro

e embalagens vazias

papel presente
- amarelado


fósseis de um amor antigo

25.10.15

Antologia - Banzeiro Poético

Descobri hoje que o poema Fragmentos foi selecionado a compor a antologia organizada pelo Banzeiro Poético, uma rede de autores lá de Manaus.



Fragmentos

Quebrou-se

no mergulho do pássaro

o espelho d´água

31.8.15

Fenômeno

Podia durar
alguns minutos
ou segundos

só o tempo para respirar

um desafogo
dessa guerra

um eclipse total

da Terra

28.8.15

Vazio

Pesquisou em todo canto
- virou a internet do avesso

mas não encontrou
pra comprar

ou sequer uma receita
- dica ou gambiarra
pra fazer em casa

E recorreu, então
aos classificados:

"Procura-se enchimento
para fundo de travesseiro"

27.8.15

Revide

Encaminha-se às fronteiras
descomunal exército

de homens, mulheres e crianças
famintos e desesperados

expulsos de suas terras
- geograficamente estratégicas


As formigas
pisoteadas

a subirem pelas pernas



26.8.15

Contenda

Na beira da trilha, encoberto pelo mato descuidado, mantinha o cutelo sobre o peito, acompanhando a respiração em ritmo lento, mas firme. Ele estava decidido, pois sabia que era o certo, a única coisa a se fazer, e que só ele podia dar cabo do sujeito e do caso.

Nuvens espessas cobriam o céu e a chuva anunciada caiu junto com a noite. Não se via mais de alguns palmos diante dos olhos quando lá adiante, na curva do rio, uma lamparina rompeu a escuridão a trote lento, formando uma auréola no arredor da silhueta única, fundida, de montaria e sujeito. Só podia ser ele.

A respiração acelerou-se, ofegante, dando vida e movimento a empunhadura do cutelo, sólida, de madeira de lei. Lentamente, espreitando sobre a vegetação, levantou-se e caminhou, sobre o lamaçal e as poças que se formavam, em direção à trilha. A lamparina continuava aproximando-se, contínua e lentamente. A respiração, a duras penas, estava contida. Daquela distância, já era possível notar na silhueta um chapéu e uma foice. A mão do cutelo, para não tremer, permanecia recostada ao peito. O momento se aproximava.

Naquele instante crítico, pesou-lhe a indecisão: atacar de frente, correndo o risco de um deslize potencialmente fatal, ou dar-lhe a volta e investir pelas costas, vingativo e certeiro? Mas não teve tempo de arrazoar estratégias. Quando estavam a pouco mais de dez metros de distância, eis que um raio irrompeu as trevas. O lampejo não durou mais do que o suficiente para refletir o cenário armado.

Após o clarão, a montaria arisca relinchou, empinou e escoiceou. A lamparina espatifou-se no chão. Um grito alucinado se fez ouvir junto ao trovão que rebentava. E o sangue, emanando em golfadas, lavou o chão junto à chuva.

25.8.15

Vetores

Fundamentalismo
é doença da braba

que anuvia a vista
e debilita as ideias


E os hospedeiros
nem se dão conta

que carregam no bucho
- inoculado

o ovo da serpente


24.8.15

Abstrações

Não me interessam
as concretudes

saber do teu dia
ou das notícias


O que me instiga
é intangível

que tipo de seres
habitam teus sonhos?

quais são as sensações
que percorrem teu corpo?

que tipo de ideias

- absurdas e insensatas

te assaltam
em plena rua?




21.8.15

Intimidades

O casório foi formidável, uma grande festa, mas durou muito pouco
O Discurso e a Prática logo separaram-se

Dizem as más línguas que a Coerência foi pivô da separação. Tinha um caso com a amiga

20.8.15

Resíduos

Abro mão de saber tudo sobre tudo aquilo que mastigaram, cuspiram e botaram no meu prato

Prefiro seguir adiante, olhando em volta - e para cima, para saber quem pôs mesa; e de onde vem os alimentos

19.8.15

Angústias

Das coisas deixadas de lado, algumas somem
Mas, há outras, persistentes, que te consomem

18.8.15

Expectadores

Heróis de fato
ainda vivos

são poucos
- raríssimos

E aqueles que resistem
estão sempre em risco

pois a torcida
sempre tendeu

- por instinto
ou por malícia

a ter mais simpatia
pelos leões

17.8.15

Abstinência

Relações superficiais
- descartáveis

como adesivos
- de nicotina

pra suprir
a tua ausência

14.8.15

Guerrilha

Sem verbas
- sucateadas

as escolas
- desoladas

viram cenários de guerra

com muros altos
e arame farpado

paredes sem reboco
e grades de ferro
- para todo lado


E a educação
acossada

- esquecida

vira um ato subversivo

13.8.15

Golpe

E muita gente foi às ruas
reclamar, com veemência

que foram vítimas
-  ludibriadas

e todas elas relatam
que não sabem do que se trata

- e que nunca assinaram

o tal contrato social

12.8.15

Anêmico

Um estado febril

que tenta
- a qualquer custo

expelir tudo aquilo
que lhe parece indigesto


Enquanto os vermes de sempre
agarram-se com força

permanecerão intactos
- quase despercebidos

nas entranhas do sistema

11.8.15

Opressão

Não foi por falta de aviso

mas por excesso
de censuras

- de corretivos
e reprimendas

gaiolas invisíveis

convites abertos
à fuga




10.8.15

Regressão

A perspectiva de futuro anda tão ruim que logo mais vai ser ofensa dizer que uma pessoa está à frente de seu tempo

7.8.15

Submissão

Somos a sétima maior economia do mundo, mesmo estando de joelhos desde que o Brasil é Brasil

Imagine só se a gente pudesse se erguer...

6.8.15

Mártires

O estresse é uma reação individual a um modelo de sociedade que não se consegue suportar

Dia após dia, aos milhares, AVCs ou infartos, colapsos e mortes súbitas engrossam as fileiras de mártires das causas perdidas






5.8.15

Passadismo II

Naqueles tempos
havia respeito

cabeças baixas
e olhos estáticos

- mirando o chão

E ai de quem ousasse

4.8.15

Passadismo

Naqueles tempos
havia certezas

indiscutíveis
absolutas

- intocáveis

E ai de quem ousasse


3.8.15

Atropelado

Havia um sujeito à frente de seu tempo

Mas um dia, as costas reclamaram
As pernas, cansadas, suplicaram

Enquanto o tempo seguiu, implacável

30.7.15

Pústula

Um estado febril
- em chamas

queimando-se por dentro
- em delírios paranoicos

e o pior de tudo:

não há qualquer
previsão de cura








29.7.15

Agregado

Segue-se o fluxo
a correnteza

que nivela os vales
- por baixo

segue-se
sem esforço

na ilusão
de progresso

inércia de tolos




28.7.15

Comunicado

Informação é matéria bruta: o estado primitivo do conceito. E são variados os processos de formação de conceito: fundição, decantação, destilação, filtragem, lapidação, fusão, fissão, arranjo e combinação, entre tantas outras possibilidades inventadas ou ainda por inventar - cada dia há novos experimentos.

Cada um dos processos, no entanto, depende sempre da intervenção de um sujeito e, em cada um deles, se fazem necessários os devidos cuidados, especialmente em relação à interpretação. Há por aí as mais diversas espécies, cada qual com suas habilidades - específicas ou generalistas, de alquimistas, forjadores, lapidadores, manufatores, artesãos e, também, infelizmente, de falsários.

Como consequência da multiplicidade de processos e de sujeitos, há no mercado de discursos conceitos de diferentes qualidades.

Levando em conta este contexto, e os riscos de ser passado para trás, se faz necessário tornar-se capaz de manusear informações, para que se possa criar os próprios conceitos e, também, para poder avaliar a banca de discursos: a cada conceito que lhe é apresentado, é preciso saber notar qual foi o processo que levou até ele, qual foi o sujeito que o criou, com qual intenção e com que cuidados - para não contaminá-lo. Caso contrário, pode-se acabar adquirindo, por ignorância ou simples descuido, um arremedo rudimentar, uma pérola falaciosa, dessas que não servem nem para peso de papel, muito menos para sair exibindo em público.

27.7.15

Desestímulo

Transformam-se
sonhos gastos

em planos concretos

e metas determinadas

de longo prazo
- a perder de vista


Desilusão

é pulsão de vida
- esfacelada

mas que ainda pulsa




24.7.15

Frida

A dor constante
marcava no corpo

o passar do tempo


Consciente de cada instante

não deixava nenhum
- qualquer que fosse

passar em branco

23.7.15

Referências

Não são pessoas
ou nomes

Não são figuras
no livro de história


São vultos
que ainda percorrem ruas

São ecos
que ainda atravessam gargantas

São ideias
que ainda sangram

- e nunca serão
estancadas


Meus heróis
não viraram estátuas

22.7.15

O brado

Ampliou-se o debate
e não tem mais volta

Mas, ao olhar adiante
não há quem siga inalterado

entre gritos
de histeria

protestos
esquizofrênicos

e ecos de murmúrios

21.7.15

Término

O fim do relacionamento foi conturbado.
Passou horas lavando a roupa suja; Mas o sangue não saia.

20.7.15

Conformes

Não abro mão

de minhas ambições
à mediocridade

das depravações
do cidadão comum

e das catarses
de hipocrisia

- que nos redimem
aos finais de semana

17.7.15

Erosão

A vida
- açoite constante

tal correnteza
fria e cortante

que nos molda

em vales profundos

16.7.15

Reconhecimento

Iludem-se os poetas

com promessas
nunca feitas

de permanência póstuma

de algo além da obra
- destilada
em uma ideia pura

agarram-se com firmeza
a um conceito
- distorcido
de autoria

como quem produz
uma foto da paisagem

e se quer reconhecido
até o fim dos dias

por ter criado o horizonte

15.7.15

Dissociativo

Vieram todos, juntos, de surpresa. Confesso que, a princípio, fiquei extremamente ansioso, pois não estou acostumado a receber visita por estas bandas. Pedi, como se adiantasse, para que não reparassem na bagunça.
A mulher sem rosto, que normalmente me encontra em quartos escuros, está fumando na sacada, com seu costumeiro silêncio de agonia. Quando tento cumprimentá-la, dou sempre de cara com as costas, a nuca, cabelos esvoaçantes ou nuvens de fumaça. Como sempre, desisto.
Mais relaxado, observo meus antigos amores, que se reúnem na sala, revirando as gavetas mais profundas e expondo aos convidados, conhecidos ou desconhecidos (penetras? talvez figurantes) relíquias de momentos embaraçosos da minha história. Sorrio, ainda que constrangido.
No quarto, detenho-me por algum tempo em deleites e prazeres, quase esqueço-me de todo o resto.
Na biblioteca deparo-me com ilustríssimas estátuas, com as quais dialogo sem que possam responder-me, ou ao menos acenar quando os interpreto corretamente, franzir o cenho quando me equivoco. Ali, dividem espaço com os livros, filmes e com um definhante jardim de inverno, que cultivo com muito esmero, sempre que convém.
Sigo para o escritório. Ao acender a luz, meu olhos demoram um pouco para identificá-la: mas ali está  a paranoia, insone, olhos vermelhos, mãos trêmulas; Ela me olha de volta, e logo sou eu que tremo. Na tela do computador, uma cena da qual não consigo desviar o olhar: um leito de hospital, repleto de aparelhos, luzes de LED, tubos, respiradores, bipes, alimentadores. Confuso, quero esfregar os olhos, mas não consigo; Minhas mãos inertes, ao meu lado na cama, nem sequer tremem. Medo é o que não falta.

14.7.15

Estalactites

A princípio
eram apenas
ideias gotejando

com o tempo
calcificaram-se

em conceitos
pontiagudos

inconstantes
- e temerários


13.7.15

Jogo de Dominó

A vida

sequência
- incessante
de guinadas repentinas

a cada rodada
caminhos se abrem
- e se fecham

enquanto houver peças
eu jogo

se não me encaixo
passo

- e nunca mais volto








10.7.15

Trincheira

Vociferava, eloquente

cortando
- com as mãos

os ares


Em discursos inflamados

trazendo à tona
- das profundezas

os maus presságios


Era um soldado idealista
travando guerra de trincheira

- contra inimigos invisíveis




9.7.15

Jardim zen

Trancado em si
durante o inverno

passava as tardes
- com todo cuidado

cultivando tédios




8.7.15

Apartamento

Silenciosa
e desconfiada

um tanto arisca

e até mesmo
um pouco hostil


mas, por enquanto
apenas me observa

- da outra ponta da mesa

a tua ausência

7.7.15

Termodinâmica

Em meio à discussão

não adianta de nada
tentar medir palavras


pois que palavra
é matéria-viva


que, com muito calor

se dilata

6.7.15

Prudência

Tome cuidado

para não pisar-me
em falso

andando assim
- de pés descalços

sobre os cacos
de meus anseios

4.7.15

Secos e mirrados

Foi para as ruas
com uma flor na boca

e foi recebida
pela chuva

- de bombas

quebraram-lhe
os dentes

e asfaltaram
a primavera

2.7.15

Sustentabilidade

Um mundo que se consome
sem qualquer desperdício

multidões em fila

como formigas
- limpando ossos

1.7.15

Alustre

Perseguindo holofotes
- a qualquer custo

mariposas mortas

na beira do lustre

30.6.15

Escancarados

A cada vez que se abrem
demoram mais a se fechar

os velhos portões
- enferrujados


E cada vez que se abrem
pequenos demônios escapam

já não sou mais
capaz de contá-los
- contê-los

pequenos demônios
que assombram-me

em sonhos
- assustadoramente
realistas

26.6.15

Drama

Dormindo no palco

do teatro
a céu aberto

representava
- todas as noites

a mesma tragédia

25.6.15

Repúdio

Em meio àqueles
silêncios solenes

havia um
- apenas um

traiçoeiro

sarcástico

24.6.15

Fátuo

Cada amor
um barco à deriva

guiando-se
pelo brilho
de estrelas

que ninguém sabe

se ainda existem

23.6.15

22.6.15

Herança

Pouco importam
os quatro

seis
ou oito

que carregarão
o caixão


os que tem relevância
são os poucos

tantos
outros

que ecoarão
as memórias

19.6.15

Obstinadas

Promessas encravadas
nos devaneios da terra

ambiciosas sementes
no rigoroso inverno

18.6.15

Descaminhos

O progresso pela ordem
tem limites bem definidos

para ir além
- ao impossível

é preciso recorrer ao caos

17.6.15

Irracionalidade

Há de chegar um tempo

de consciência
e de paz na Terra

quando restar desprovida
de sentido e coerência

a expressão: "herói de guerra"

15.6.15

12.6.15

11.6.15

Desbravadores

Somos nós os pioneiros
de cada dia e contexto

e pobre do sujeito

que acredita
- estagnado

na existência
de um mundo estável

10.6.15

Magia

Há mais mistérios

entre as teclas do piano
e a melodia

entre as curvas do trompete
e o compasso

entre os furos da gaita
e a harmonia

do que podem imaginar
nossos pés descalços

9.6.15

Diferente

A apresentadora, buscando conscientizar a população a respeito da tolerância com as diferenças, questionou a mãe:
— Quando foi que a senhora percebeu que ele era diferente dos outros meninos?
Ainda visivelmente abalada, provavelmente sob o efeito de medicamentos para amenizar as dores, ela respondeu:
— Há muito tempo, muito tempo. E foi muito dolorido, mais para ele do que para mim. A gente só passou a ser mãe e filho mesmo — a voz começou a ficar embargada, o choro já retornava — quando eu percebi, finalmente, que ele era igualzinho a todos os outros meninos, que merecia todo meu amor... — acolhida por um abraço da constrangida entrevistadora, ela não conseguiu concluir a fala.

8.6.15

Território da Discórdia

Dali ao horizonte
não havia sequer promessas

apenas raízes mortas
irrompendo da terra seca

5.6.15

Desaperto

Sábias são as gaivotas

que todo dia se reúnem
- na beira da praia

para ver o pôr do sol

4.6.15

Oferenda

Na ressaca da virada
após um ano corrido

eis que vem flutuando
plácida e imaculada

uma rosa branca
devolvida pelo mar

3.6.15

Padre Sísifo

Não deixava de ir às ruas um só dia, visita fazendas, comércios, empresas, a prefeitura e as praças; sempre com as mãos estendidas em ambos os sentidos: em auxílio e por auxílio. Enquanto estava na rua, mantinha uma caixa de aço, com cadeado bem fechado, na capela simplória, contruída pelo antigo coronel, para o caso de aparecem fiéis afeitos a uma benevolência.

Penosamente tirava o sustento de si próprio e dos necessitados. Mal dava para as contas do mês e os apetites da rotina, tanto menos para as economias. E ele passou anos a anos nesta sina: recolhendo esmolas miúdas, para construir uma igreja impossível.

2.6.15

Espreita

Gaviões planando
sobre areia escaldante

esperando que os sonhos
saiam da toca

1.6.15

Sinestesia

Encosto uma concha
na orelha

para ouvir o mar


E recosto a cabeça
no teu colo

para ver estrelas

29.5.15

Supremacia

A iluminação pública
- e seus delírios de grandeza

ofuscando milhões de estrelas

28.5.15

27.5.15

Distopia

Eis aqui um mundo pequeno

formado pela mera combinação
- autoritária

de 26 letras

26.5.15

25.5.15

23.5.15

IV Prêmio Literário Cidade Poesia

O conto Destino foi selecionado para compor a coletânea do IV Prêmio Literário Cidade Poesia - Associação de Escritores de Bragança Paulista (ASES).

Hoje foi realizado o evento de lançamento da coletânea. Uma pena não ter sido possível comparecer para reencontrar diversos amigos e fazer alguns novos.

22.5.15

Que arde

Vivemos em tempos duros
de homens amargos
sufocados por crenças brutas

em que o amor
é insulto

e a violência da turba
- desafogo de rotina

é a cura

23.2.15

Recriação

Um sábado qualquer, dia de folga, Ele resolveu ir a Recife, Pernambuco, e seguiu direto à oficina de Brennand, o ceramista.

Chegando lá, admirado com as obras em barro-e-água, estarrecido com a quantidade de detalhes, estancou os pés no chão e suspirou.

Levou horas para desfazer toda a confusão

20.1.15

Destino

Quando, enfim, o choro da criança cessou, abafado, todos seguiram viagem aliviados. Alguns, para voltar a dormir, ajeitaram-se nas poltronas, com as pernas sob as mantas demasiado curtas e as cabeças recostadas nos travesseiros espalmados cedidos pela viação.

Os motores continuaram ressoando, constantes e diligentes, adentrando a madrugada. Os faróis na direção contrária, cada vez mais escassos, atiravam-se sobre algum detalhe do acabamento interno e, vez ou outra, refletiam em ameaças ao sono dos mais sensíveis.

Pela manhã, aproximando-se da região metropolitana, iniciou-se a romaria à porta do motorista, seguida pelos desembarques antecipados, em postos de gasolina, passarelas e semáforos.

Ao chegar à rodoviária, os passageiros restantes desembarcaram, pegaram suas malas e seguiram seus destinos. Nas poltronas e no chão, garrafas e embalagens vazias; Enrolado em uma manta, o corpo mirrado.